O louco que deixou a internet por um ano

No livro “Understanding Media: The Extensions of Man”, Marshall MuLuhan afirmou, em 1964, que os meios de comunicação estavam destinados a se tornar uma extensão do corpo humano. Segundo o comunicólogo canadense, o homem não seria capaz de se desvencilhar de aparelhos que o mantivessem em contato com outros indivíduos. Visto como louco (que visionário não é?), o estudioso provou a genuinidade do trabalho mais de 40 anos após a publicação do livro.

Atualmente, não vejo uma única cabeça levantada quando entro na sala de aula ou na redação em que trabalho. Todos os olhares estão voltados para telas de diversos tamanhos tão confortavelmente posicionadas nas palmas das mãos que parecem fazer parte do corpo humano. E-mails são respondidos, mensagens no Facebook são lidas e menções no Twitter são verificadas constante e ininterruptamente. Se você chegou até esse texto, provavelmente encontrou o link em alguma rede social enquanto filtrava palavras-chave e imagens que chamassem atenção entre dezenas de informações publicadas a cada minuto. Estava no caminho para o trabalho quando viu o link no aplicativo para smartphone do Twitter, ou no NewsFeed do Facebook ao ligar o computador do trabalho.  O que quero dizer é que McLuhan é um dos meus teóricos da Comunicação favoritos pela visão realista que tinha há quase meio século de que o ser humano chegaria a um desenvolvido nível de dependência dos meios de comunicação a ponto de não conseguir se desvencilhar dos aparelhos. Mas será que estamos tão conectados à rede que não somos capazes de nos desligar por um tempo e tentar realizar atividades comuns manualmente? Qual o nosso nível de dependência?

Visionário ou não, Paul Miller é definitivamente um louco. Editor chefe do site de tecnologia The Verge, o jornalista decidiu passar um ano desconectado do mundo virtual desde maio do ano passado. O objetivo do norte-americano é ver o quão integrados estamos com as novas plataformas digitais. Para isso, o iPhone 4S com conexão rápida 3G foi trocado por um celular falsificado chinês incapaz até de mandar ou receber SMS, o iPad com conexão 4G e 64 GB de memória foi deixado de lado por Miller, que adotou o uso de Moleskines para fazer anotações, a conta no iTunes e na iBookstore foram canceladas e o jornalista voltou a procurar entretenimento em livros físicos e CD’s encontrados na bibioteca no quarteirão onde mora.

No primeiro dia de mudança de status, é engraçado como Miller descreve um fenômeno similar ao de uma crise de abstinência pela qual um viciado em drogas e álcool passam para se livrar do mal. Seria a Internet, então, um mal disfarçado para o ser humano? Separei, dentre as matérias publicadas por Miller no The Verge sobre a experiência, as três áreas em que o homem contemporâneo diz não saber viver sem o auxílio de conexão à rede: trabalho, critativade e romance. Para manter a rotina de editor, o americano definitivamente passar por dificuldades para cumprir prazos. No vídeo em que anunciou a saída da Internet (confira no player abaixo), Miller demonstra como seria a rotina na redação: ao invés de publicar uma matéria diretamente do computador, ele armazena o arquivo em um pen drive, o encaminha para um colega de trabalho que cuidará do processo de publicação. Enquanto Miller estava acostumado a enviar um arquivo à impressora via a rede Wi-fi da redação, agora ele precisa levar o notebook até a mesa da máquina e conectá-lo a ela. “A vida será mais complicada”, diz ele após a primeira tentativa de impressão desconectada da Internet.

Ainda no âmbito do trabalho, percebi como a falta de Internet nos deixa completamente alienados. Eu, como Miller, sou jornalista e posso afirmar que 99% de notícias que capto vêm de redes sociais. Quando soube da aventura em que o americano estava prestes a embarcar, a primeira coisa que pensei foi: “Como esse cara vai trabalhar?”. Na matéria de segundo dia desconectado, ele sente as dificuldades em estar fora de contato com notícias imediatas. Um amigo de Miller o intriga com uma suposta notícia sobre os malefícios descobertos por cientistas sobre a Coca Diet, famosa entre os norte-americanos. “Você não ficou sabendo? Estranho”, comenta o amigo. “Minha única escolha foi esperar até o dia seguinte para checar a matéria”, relatou Paul. Na verdade, tudo não passava de uma brincadeira do amigo do jornalista. Não havia matéria alguma sobre o refrigerante. “Fora da Internet, você se sente um tolo”, disse Paul.

A segunda questão que achei fascinante sobre a experiência do editor trata-se da procrastinação quanto à criatividade. Eu mesmo sou vítima de ficar horas na Internet vendo vídeos de gatos que sorriem e pessoas que colocam milhões de marshmellows na boca pra dizer “Chubby Bunny”, quando eu sei que deveria estar escrevendo meu livro ou lendo um. E costumo culpar minha falta de criatividade no conteúdo envolvente da Internet, mas me pergunto se diminuir uma ou duas horas de conexão seria a resposta para o bloqueio. Para Paul, a abstinência não ajudou. “Passo horas deitado de barriga pra cima analisando meu teto, sentado na cadeira ou organizando minha estante, mas minha criatividade não tem se desenvolvido”, relata Miller neste post. Obrigado por me fazer perceber que a culpa é inteiramente minha de não escrever meu livro, Sr. Paul Miller.

A minha paixão por literatura é menor apenas que meu amor pela minha namorada. Lembro de conhecê-la na estreia de “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2”, chegar em casa às duas da manhã e procurá-la no Facebook. Vi fotos, postagens e logo sabia informações suficientes para saber que éramos muito parecidos. Namorar sem Internet atualmente mostrou-se impossível e, ao mesmo tempo, encantador para Paul. Ao mesmo tempo que ele se sentiu perdido em um primeiro encontro com uma pretendente por não saber absolutamente nada sobre ela, ele fala sobre como foi empolgante descobrir cada detalhe da vida da moça em uma conversa cara a cara. Definitivamente romântico, mas nada como ser stalker da garota que pode se tornar sua namorada em breve.

Paul sairá do regime no dia 1o de maio deste ano e diz não sentir falta da Internet. Penso que eu não seria capaz de ficar distante da ferramenta por mais que algumas horas, mas talvez eu tope um desafio mais leve, como uma semana. E você? Acha que teria tanto sucesso quanto Paul Miller na saga sem Internet?

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