Ódio, inveja e amor por “Liberdade”, de Jonathan Franzen

Conheci meu amigo Sérgio em 2010. Os oclinhos meio de fundo de garrafa, as camisas de bandas independentes e o ar blasé logo denunciaram que seríamos bons amigos. Desde então, descubro a cada dia a paixão em comum que temos pelo mundo da Literatura. Discutimos por horas em nossos trajetos para a faculdade sobre nossos autores favoritos e como desejamos chegar perto do talento de grandes escritores. Falei do Sérgio por ele ser responsável pela adição de mais um nome à lista de ídolos literários que cultivo há anos. O pós-pós-modernista Jonathan Franzen, como meu próprio amigo me apresentou, é atualmente meu autor predileto em que me inspiro para escrever meu próprio trabalho.

A primeira coisa que se deve saber sobre Franzen é que ele gosta de tempo para investir nas obras. O livro “Liberdade”, lançado em 2010, levou nove anos para ser idealizado, além de um ano para ser escrito. “A parte árdua é pensar em cada vertente dos personagens. Eles são como pessoas reais para mim”, disse o americano em uma entrevista ao Globo News há três anos, quando participou da Festa Literária Internacional de Paraty, no Brasil. Posso apenas dizer que sou agradecido por cada um dos dez anos de trabalho em uma sala escura sem distrações – inclusive telefone e internet – gastos por Franzen para construir os personagens do “romance do século”, como resenhado pelo jornal The Guardian.

“Liberdade”, assim como “The Casual Vacancy”, fala sobre uma sociedade de classe média. Porém, não chamaria a atmosfera retratada por Franzen como decadente –  como a de J.K. Rowling – , mas de realista. A descrição das personalidades, assim como das falas e de pensamentos, é cuidadosamente arquitetada pelo americano para que o leitor, em algum momento, veja-se encurralado pelas situações vividas por Paty, Walter, Kats e todo o elenco conturbado do livro. Tudo bem, o trabalho de um romancista é fazer com que o público se identifique em certo ponto com os personagens. O problema é que Franzen faz você ver o pior de si nas mais de 600 páginas de “Liberdade”.

O enredo traz o casal em crise Patty e Walter Berglund. A velha história do “não é o que parece” presente em romances familiares está no livro. Porém, o que mais me chamou a atenção (e fez com que eu me apaixonasse pelo trabalho do autor) foi o ritmo criado por Franzen para contar as vidas dos personagens. Assim que peguei o livro, mandei mensagem pro Sérgio. “Cara, tô confuso. Cadê a ordem cronológica desse livro?”, ao que obtive a resposta “Mano, ele é assim mesmo. Vais te acostumar”. Sábio Sérgio. Não foi a primeira vez que peguei um livro em que os acontecimentos não seguem uma ordem lógica, mas foi a primeira que senti o impacto do risco que o autor corre ao contar a estória desta forma. Logo me acostumei e percebi a necessidade da “costura” dos fatos para a finalização da obra. E quando falo finalização, não me refiro ao simples ato de digitar o último ponto, mas a todo o processo de edição e retoques para o final do trabalho.

Patty e Walter são definitivamente especiais de formas próprias, mas não são os meus favoritos quando se trata de análise de caráter. Em minha ingênua e ainda prematura opinião literária, Patty é uma alma solta no mundo sem destino, e isso a tornou um pouco entediante para mim. A jogadora de basquete não é a estrela da própria trajetória no enredo. As problemáticas revisadas pelo autor desde a infância da personagem mostram o cuidado em cobrir cada etapa das vidas dos personagens. Walter passa pelo mesmo processo de análise sob o microscópio de Franzen, mas sinto uma personalidade mais forte e fixa no que se trata ao conhecimento próprio.

Embora o casal seja o foco do terceiro romance do autor, eles não seriam encantadores não fosse o charme “dirty” e inconsequente de Kats. O melhor amigo de Walter, músico de “espírito livre”, é o que podemos chamar de “cola” do casal. O rockeiro não é a pessoa ideal para se apresentar à família como futuro esposo, mas o vejo como o mais íntegro na trama. Ele sabe exatamente o que quer e está em contato e aceita as fantasias mais obscuras, ao contrário de Walter, que se prende a convenções sociais e traumas da adolescência. E ele é o cara com quem mais me identifiquei por ele ter a visão jovem de rebeldia comedida dentro de valores próprios.

 

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O passatempo favorito de Franzen nãoo ficou de fora de “Liberdade”. O autor, observador de aves assumido, traz questões ambientais para o livro com as Mariquitas-azuis. O passarinho é envolvido profundamente nas relações e tomadas de decisões dos personagens.

Atualmente, encontro-me imerso no segundo romance do americano, “The Corrections”, e só posso dizer que, ao mesmo tempo que sou fascinado pelo trabalho de Jonathan Franzen, cultivo inveja furiosa do leque de conhecimentos em diversas áreas das ciências humanas e exatas do escritor. Torço muito para que eu e Sérgio cheguemos ao nível dele.

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