J. K. Rowling mostra amadurecimento literário em ‘The Casual Vacancy’

Quando comecei a ler o primeiro romance adulto de J. K. Rowling, não pude evitar de ser completamente parcial e tomar o lado da autora em relação a todas as críticas negativas que a obra recebeu desde o lançamento, em setembro do ano passado. Muitos personagens, cenas de sexo sem motivos óbvios e muitas outras estamparam manchetes de sites literários e horas de vídeo no YouTube. A verdade é que a britânica conseguiu mais uma vez elaborar uma trama profundamente construída por personagens cujos detalhes da vida particular vão claramente aos publicados nas mais de 500 páginas de crítica à decadente classe média inglesa.

A narrativa começa com a reação dos sete núcleos familiares e seus respectivos adjuntos da cidade fictícia de Pagford à morte do bom samaritano Barry Fairbrother (Barry, Harry, eu sei. Vamos combinar que ela não vai se limitar pra nunca rimar nomes de personagens da série do bruxo). Fairbrother é uma espécie de vereador da cidade e defendia a permanência da “cidade satélite” de Fields, onde mora a parte mais pobre e problemática da comunidade pagfordiana. Com a morte súbita (título de gosto duvidoso para a tradução brasileira) do vereador, uma vaga abre no conselho, à qual pessoas de interesses divergentes aos de Barry correm para ocupar. Durante a jornada das eleições para a escolha do(a) substituto(a), vemos como a classe média britânica vive de aparências no livro. Pais abusivos, maridos violentos e corruptos, mulheres em crise de meia idade e adolescentes de atitudes e mentes realmente repugnantes disputam a indignação dos leitores com viciados em drogas que chegam até a usar a prostituição para sustentar o vício. E, sem dúvida, o foco está em cima da problemática e indulgenciada Krystal Wheedon, de 16 anos

A garota é um exemplo clássico do que acontece com pessoas sem base familiar estruturada. Eu tive uma conversa com minha mãe na época em que li o livro sobre como pessoas traumatizadas têm dois caminhos a percorrer: negar todos os demônios do passado e seguir a vida ignorando o fato de que se está cometendo todos os erros que causaram o trauma, ou tomar consciência de tudo de errado e fazer de tudo pra que não voltem a acontecer no futuro. Krystal ainda está completamente perdida quanto ao que fazer. Ela mostra sinais durante todo o livro que nos confudem. Ela vai virar uma viciada ou vai se esforçar pra mudar de vida? O final foi surpreendente (pelo menos para mim) e bastante realista. Na verdade, a realidade retratada com tanta precisão foi exatamente o que me prendeu durante toda o enredo. Eu mesmo conheço pessoas como Fats, Simon, Samantha e, infelizmente, Krystal Wheedon.

Assista a uma entrevista de J. K. Rowling sobre The Casual Vacancy

A narrativa de caráter tipicamente descritivo de Rowling que vemos em Potter está mais madura e trabalhada que nunca em The Casual Vacancy. Mesmo que as primeiras cem páginas nos introduzam diversos personagens, eu não tive dificuldade em manter o passo da autora e não precisei voltar páginas para lembrar quem é quem. Honestamente, acho que os romances populares acabaram por limitar a mente de leitores, que perdem-se facilmente entre personagens de peculiaridades marcantes. Falando nisso, achei ótima a propaganda feita pelas editoras para esclarecer que é um romance adulto e que crianças ou pré-adolescentes não devem abrir o livro. Ótima, mas ineficaz. A nova geração de leitores de Harry Potter – que, geralmente, ainda nem chegaram ao Enigma do Príncipe – segue a onda de comprar livros de autores infanto-juvenis e esperam encontrar o mesmo tipo de conteúdo nas obras. Isso não acontece com Rowling, já que morte e moral não estão disfarçadas em profecias e feitiços, mas escancarados em forma de completa falta de moral ou respeito por vidas que não lucram algumas libras esterlinas no final do mês.

As passagens de sexo adolescente do livro foram outro ponto questionado por leitores afora. Agora, sendo sinceros, que adolescente não pensa em sexo? Essa é outra crítica feita no livro: adultos tendem a subestimar as faculdades mentais de adolescentes e julgá-las como apenas ingênuas, ao invés de em processo de consolidação. Fora as cenas de estupro, que são chocantes, mas na medida certa para não vulgarizar a obra.

Sou fã de Harry Potter desde 1999, quando ganhei o primeiro livro da série, e não posso dizer o quão feliz estou ao dizer que o mérito deve-se à capacidade  autora, e não somente à ideia. Se você nunca se interessou por Harry Potter por não se importar com fantasia, por favor, corra e compre o romance adulto e entenda por quê milhões de leitores se apaixonaram por J. K. Rowling.

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